sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Tomás


Foto: Rick Van Pelt


Você era engraçado, gente boa, bom de papo. Diziam por aí que tinha um jeito diferente porque não pegava as meninas como os outros rapazes de sua idade. Quando nos encontramos pela primeira vez, nossa conversa foi envolvida por clichês como "a idade é apenas uma questão democrática do tempo". De fato, sou mais velha e isso irrita. Meu discurso era:

Contos de fadas não acontecem somente nos livros. Também acontecem nas novelas, nos filmes e com casais espiritualmente ligados pela eternidade. Até onde eu saiba não acontece na vida real. Esta será uma verdade para mim até quando um príncipe encantado montado em um cavalo branco aparecer na minha porta fazendo uma linda declaração de amor, claro, não precisa ser necessariamente um príncipe, se for homem, heterossexual e beta ficarei feliz. Eu até tenho procurado, juro que tenho, mas às vezes é bem difícil.

Então me apareceu um príncipe às avessas. Chegou de repente, e me tratou como se eu fosse a Maria do Leonardo em Sargento de Milícias, deu dois beliscões nas minhas costas enquanto eu dançava uma música qualquer na quaresma da cidade. Você apareceu com um livro do Kafka, tamborilou um sambinha e me olhou de soslaio. Eu já tinha percebido que você me olhava e quando finalmente resolvi encarar você virou o rosto e fez que não me viu. O que foi um insulto ao meu feromônio. Você sabia que eu ia me aproximar e sentar ao seu lado. Você se aproveitou do meu orgulho feminino.

Quando saímos pela primeira vez, comecei a perder. Primeiro eu perdi o juízo quando você citou um poema qualquer do João Cabral de Mello Neto e me apaixonei assim, logo de cara. Acho que com o tempo fui perdendo a sapiência, eu ficava lenta quando você contava as suas aventuras pelo mundo afora. Todos os gestos eram bonitos, o jeito malandro de andar, o jeito que apertava os olhos quando sorria, o arquear das sobrancelhas quando ia falar algo mais sério... Depois eu perdi a noção do tempo quando estava com você, perdi a vergonha de falar alto, você tinha ouvido tanto walkman na adolescência que ficou meio surdo. Também perdi um brinco de ouro na cama de um hotel vagabundo que você me levou para comemorar o primeiro mês de namoro.

No dia seguinte você me mandou flores no trabalho e meu ego foi para a lua num foguete. Mandou uma mensagem meiga no celular e meu ego foi subindo, ligou para saber se eu tinha recebido a mensagem e meu ego foi subindo, perguntou se poderia almoçar comigo e meu ego foi subindo, perguntou se eu queria sair para jantar e meu ego foi subindo, me perguntou se eu dançaria com você na festinha da praça e meu ego foi subindo, me perguntou se eu queria namorar de verdade e eu tive um orgasmo de alegria; uma mistura de crise de riso com soluço.

A festa parecia um carnaval de muriçoca. Muita gente, muito bêbado e pouca música decente. Você não tinha dinheiro e eu confiei no seu orgulho de macho. Ok, a culpa foi minha que não agi como uma mulher do século XXI. Eu tinha R$ 2,00 no bolso. Como ousadia e lombriga todo mundo tem, dividimos um refrigerante, dançamos no meio da rua e contamos piada da nossa pobreza.

Felicidade de pobre dura pouco, logo felicidade de uma mucama então deve ser tão rara quanto enterro de anão. Na primeira crise de TPM que tive quando estávamos juntos, você me ligou de manhã e ficou com a pulga atrás da orelha com a minha voz grossa. Dez minutos depois, apareceu na minha casa com uma rosa na mão e um poeminha escrito as pressas com lápis emprestado. Eu não saí do quarto e depois de ouvir o poema lido em forma de cantiga, olhei para seus olhos. E gargalhei. Eu gargalhei tanto que chorei, quando notei as lágrimas escorrendo pelo meu rosto e comecei a chorar copiosamente. Você pensou que eu não tinha gostado do poema e que estava chateada. Gritei para você sair e não voltar mais.

A crise passou e você não voltou.

Três dias se passaram desde então. Não tenho mais muitas coisas a perder, a não ser o juízo e umas poucas economias que fiz. Só queria te pedir que traga de volta o pedacinho que levou de mim.

Um comentário:

Lorena Morais disse...

Fantástico!
Uma narrativa que prende o leitor. Você usa umas ironias que me fez gargalhar.
Ao final do texto lembrei de uma frase que diz: "Cada pessoa que passa em nossa vida é única, sempre deixa um pouco de si e leva um pouco de nós."
Gostei e vou continuar vindo aqui.
Beijos e sucesso!